7.4.10

Menor de idade (criança e adolescente): um ser intocável?


Certa vez fui convidado a palestrar em curso de formação de Conselheiros Tutelares, em uma cidade do interior de Santa Catarina, a despeito do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao pincelar algumas considerações sobre a responsabilidade da sociedade, da família e do Estado (muitas vezes representado pela Polícia ou pelos Conselheiros Tutelares) quanto às crianças e aos adolescentes em situações de risco, a exemplo do consumo explícito de drogas, fui questionado quanto à forma de abordagem da Polícia e dos Conselheiros Tutelares aos menores, tendo em vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente supostamente vedaria qualquer tipo de contato físico com os mesmos.
Diante dessa questão, o burburinho foi geral na sala, podendo-se ouvir diversas frases feitas, todas no sentido de que o Estatuto era protecionista demais, que era por isso que o Brasil seria um bagunça, que o sistema do ECA podava a atuação dos Conselheiros e da Polícia, que os menores e os criminosos se aproveitavam disso para cometer mais crimes etc.

Enfim, tão logo consegui acalmar os ânimos da platéia, logo disparei: “o menor não é um ser intocável e o Estatuto da Criança e do Adolescente não veda qualquer tipo de contato ou abordagem mais enérgica, seja contra menor infrator ou em situação de risco”. E de fato não o é.
Percebe-se, atualmente, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.° 8.069/1990) está com sua imagem “manchada”, em função da má interpretação da doutrina da “proteção integral”. À época da edição do ECA, travou-se uma ruptura com o sistema anterior, que previa apenas questões relativas aos menores infratores. A legislação anteriormente vigente, tratava-se tão somente de um Código Penal de Menores.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno, passou a tratar de questões preinfracionais, trazendo responsabilidade geral à sociedade, família e Estado, sobre o destino das crianças e adolescentes, na forma do art. 226 da Constituição Federal.
Os menores passaram a ser vistos pela lei como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direito, de sorte que foi exaltada a necessidade de proteção integral da família, da sociedade e do Estado. Vale dizer, os menores não mais seriam vistos como bens dos pais que passariam à responsabilidade do Estado no momento em que cometessem um ato infracional ou quando os pais não mais tivessem interesse em cuidar deles. Doravante, os menores haveriam de ser tratados com respeito, o mesmo respeito exigido deles pelos adultos.
Diversas expressões jurídicas passaram a ser reservadas aos adultos, sendo criadas novas expressões para o mundo dos menores, justamente para diferenciar o tratamento a ser dispensado para cada grupo.
Comece-se pela própria expressão “menor”. A Lei n.° 8.069/1990 extirpou as expressões “menor impúbere” e “menor púbere”, substituindo-as pelas expressões “criança” e “adolescente”, para separar aqueles até 12 anos e aquelas entre 12 e 18 anos. Estabeleceu-se, outrossim, que os menores não comentem “crimes”, mas “atos infracionais” e não são “presos”, mas “internados”, não cumprem “pena”, mas são submetidos a “medidas sócio-educativas”. Ou seja, a criança e o adolescente não podem ser tratados como adultos, em função de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, mas isso não significa que não podem ser repreendidos ou punidos.
Por causa dessas alterações de nomeclatura, acredito, é que se iniciou o discurso de que o menor é um ser intocável, já que não comete crimes e não pode ser preso. Mas, ora, como exposto acima, ele comete atos infracionais e pode ser submetido a medidas sócio-educativas (art. 112, ECA), muitas vezes mediante internação.
Feitas essas considerações, agora é possível adentrar ao questionamento sobre a forma de abordagem da Polícia, dos Conselheiros Tutelares e da sociedade em geral, diante de um menor infrator. Será mesmo o menor intocável?
Tendo em vista que “crime” e “ato infracional” são expressões análogas, o tratamento para sua repressão também há de ser similar. Diante de um crime, quem atua para reprimi-lo? A Polícia Militar, correto? Pois bem, sendo caso de ato infracional, quem o reprimirá? Ora, igualmente será a Polícia. Não há qualquer impeditivo legal, mesmo no ECA, para tal abordagem.
O que o Estatuto prevê, assim como a legislação destinada aos adultos, é que o policial não pode se exceder, abusar de seu poder. Entretanto, ao policial é dado se utilizar de todas as medidas necessárias para conter os atos do infrator, imobilizá-lo até, se isso for preciso. A força empregada há de ser compatível com a situação e com o infrator.
Por exemplo, é óbvio que a força usada contra um adulto de 35 anos de 60kg, um adolescente de 16 anos, com 75kg, lutador de muay-thay e um garoto franzino de 13 anos há de ser diferente. Certamente a força a ser utilizada para imobilizar o adulto de 35 anos, será muito maior que a necessária para conter os atos do garoto de 13 anos. Mas a força a ser empregada contra o adolescente de 16 anos haverá de ser maior, inclusive, que a utilizada contra o adulto de 35 anos. E, pasmem alguns, não há qualquer desobediência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ou qualquer outra legislação, pois não se vislumbra qualquer excesso na atitude do policial.
Assim, menores infratores entre 12 e 17 anos podem, sim, ser abordados, imobilizados e conduzidos pela Polícia Militar, em caso de prática de tipos penais (crimes) que, para o ECA, são considerados atos infracionais. Para infratores com idade inferior a 12 anos, a abordagem há de ser feita por Conselheiros Tutelares, todavia, não sendo possível a contenção do ato apenas pelos conselheiros, é permitido invocar reforço policial.
Anote-se, por oportuno, que até mesmo o cidadão comum pode dar voz de “prisão” aos menores, por autorização do art. 301 do Código de Processo Penal. Qualquer cidadão pode repreender atos infracionais em flagrante delito e se utilizar de todas as medidas necessárias para tanto, se tiver condições de o fazer e assumir o risco de fazê-lo. Mais uma vez, reforce-se, qualquer medida é permitida, desde que efetivamente necessária. O abuso é reprimido pela lei, não a abordagem em si.
Assim, com todo o respeito, equivocado é o entendimento de que o menor é intocável, que não pode ser conduzido pela polícia, que não sofre qualquer punição. A única diferença é que o menor não é tocado, conduzido ou punido como um adulto, mas como uma pessoa em desenvolvimento.
Transposta a questão do menor infrator, não me é dado deixar de tratar de situações em que não há envolvimento de ato infracional. O menor pode ser repreendido por pais e educadores, ou, nesses casos, aí sim, o menor é intocável?
Como já se deve imaginar, a figura do menor não infrator, também não cria um ser intocável  e irrepreensível. É muito comum ouvir declarações de professores e pais no sentido de que, depois da edição do ECA, as crianças e adolescentes podem fazer tudo e ninguém tem voz contra eles, porque a lei não permite.
Mais uma vez, equivocadas são essas declarações, pois o Estatuto não consigna nada disso. Tal qual aludido alhures, a vontade do ECA é a de que os menores sejam tratados com respeito, abominando-se qualquer tipo de arbitrariedade dos pais, dos professores ou de quem quer que seja. Isso não significa que a autoridade dos pais, professores etc. foi retirada pela lei.
Não. Muito pelo contrário, o poder-familiar remanesce intacto. Segundo a exegese do art. 22 da Lei n.° 8.069/1990, inclusive, é dever dos pais educar os filhos. Educação não apenas no sentido de encaminhar o filho para escola, mas de o ensinar a viver em sociedade, respeitando os direitos dos demais.
Para tanto, é cediço que, por vezes, fazem-se necessárias atitudes mais enérgicas contras os menores, seja verbal ou fisicamente. Conversas repreensivas, castigos (restrições de direitos a lazer, por exemplo) e até palmadas, são permitidas, pois, é importante rememorar que todos os atos de repreensão permitidos contra adultos, também o são contra menores, desde que proporcionais a sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Não se pretende aqui, é preciso deixar bem claro, incentivar o uso de penas corporais contra os filhos, mas até a Psicologia defende que umas palmadas nas nádegas, em dados casos, é o único, eficiente e recomendado remédio.
Dessa forma, resta claro que os pais ainda detém o direito de educar seus filhos e os repreender, da melhor forma possível, visando não mera punição, mas aprendizado.
Aos professores, igualmente é dado o direito de repreender seus alunos, mas, tal qual no mundo dos adultos, observando padrões de educação e respeito mútuo. A hierarquia existente em sala de aula entre professor e alunos, é a mesma existente entre o diretor de uma empresa e seus funcionários.
O diretor tem autoridade para orientar os atos de seus subordinados e cobrar resultados. Todavia, não tem o direito de faltar com respeito a seus funcionários, pois estes lhe são subordinados funcionalmente, não pessoalmente. Assim, não pode xingá-los ou humilhá-los, embora possa repreendê-los e, eventualmente puni-los com suspensão ou dispensa do emprego.
O empregado, por seu turno, há de se submeter aos mandos do diretor, ainda que não concorde com eles, embora tenha o direito de argumentar, civilizadamente, apontando forma melhor de execução dos trabalhos, se for o caso.
Da mesma forma ocorre no ambiente escolar. O professor tem o direito, ou melhor, o dever funcional de orientar seus alunos e cobrar deles resultados. Quando não correspondido, pode repreender o aluno, mas, assim, como o diretor da empresa, deve o fazer com respeito e educação, o mesmo respeito e educação por ele exigidos do aluno.
Ao professor não é dado ofender ou humilhar o aluno, assim como não o poderia fazer com qualquer outra pessoa, por questão de civilidade. O aluno pode argumentar contra o professor, mas igualmente com respeito e civilidade, tendo em vista a hierarquia existente. e o respeito mútuo exigido em qualquer situação. Havendo desrespeito do aluno para com o professor, este pode suspender o aluno ou, em casos extremos, recomendar à diretoria da instituição de ensino o convite do aluno a deixar o estabelecimento.
Claro que, todos os atos de punição, devem visar a educação do menor, de sorte que, o conhecimento e a participação dos pais no processo é fundamental, pois deles é a obrigação primeira de educar.
Sobre o tema, ainda há muito que ser dito, mas isso tornaria o texto ainda mais longo do que já está. Destarte, encerra-se-o por aqui e aguardam-se comentários dos leitores. Estabeleça-se, apenas, que, o menor infrator ou não, não é um ser intocável (cai mais um mito), mas sujeito de direito e obrigações, de sorte que há de ser respeitado, embora possa e deva ser repreendido.

2 comentários:

  1. ótimo artigo. Só fiquei com uma dúvida: o menor pode ser abordado por policiais se apenas estiverem em atitude suspeita, e não na prática de um ato infracional? Obrigado.

    ResponderExcluir
  2. Os legisladores foram muito infelizes ao formular o estatuto da criança e do adolescente.
    Pode ser que "Crime" e Ato infracional" tenham o mesmo significado, mas as pessoas simples não veem desse modo e para eles um menor assaltante de 17 anos é mais perigoso que um adulto mesmo porque não pode ser preso e encarcerado.

    ResponderExcluir