15.9.10

Voto Nulo: arma popular contra as eleições?

Ano de Eleição. O Poder Judiciário, o único não político, fica responsável pela organização das eleições, para que nós, cidadãos brasileiros, exerçamos livremente o direito ao voto secreto.



Ocorre que, como é sabido, a forma de exercício do voto é que é livre, não a escolha por votar ou não, já que o voto é obrigatório, na forma do art. 14, § 1° da Constituição Federal.


Além disso, todos os brasileiros, gostando ou não, acabam sendo envolvidos com o processo eleitoral, tendo que aturar falácias mil dos candidados a vagas nos poderes legislativo e executivo na TV, no rádio, nos carros de som e através dos milhões de cartazes, bandeiras e panfletos distribuídos nas ruas.


Enfim, as eleições mexem com a rotina do brasileiro e, para alguns, traz grande revolta. Não apenas em função da campanha em si, mas por força de anos de observação de promessas não cumpridas, denúncias escândalos e crimes em todas as esferas do governo, envolvendo veradores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e até a presidência da república.


Diante de fatos lamentáveis envolvendo os dirigentes do nosso país muitos brasileiros se negam a participar do sufrágio em sinal de protesto. Para tanto, muitos eleitores votam "em branco" ou anulam seus votos, indicando números inexistentes nas urnas.


Antigamente, na época das cédulas eleitorais de papel, a nulificação do voto era bem mais divertida, pois o eleitor indignado ou o apenas brincalhão (não entendendo a seriedade do voto) utilizava as cédulas para mandar recados, faziam desenhos obscenos, escreviam nome e números de candidados que não existiam ou de personalidades públicas que não estavam concorrendo às eleições etc.


Hoje, com o voto eletrônico a única forma de se anular um voto é digitando um número inexistente na listagem de candidatos, o que tornou a provocação bem menos interessante. Igualmente, é possível não votar em nenhum dos candidados, apertando o botão referente ao voto em branco.


Ante essas possibilidades, a cada novo período eleitoral, voltam às discussões em rodas de amigos - bem como é disseminada em emails, sites, blogs e microblogs - a famosa lenda jurídica da possibilidade de se anular a eleição se mais de 50% dos votos forem nulos.


Os disseminadores da anedota,  mais acalorados, chegam a fazer campanhas de "conscientização" do eleitor brasileiro, para que, na busca do Estado ideal, afaste os candidados da chance de chegar ao governo, votando nulo.


Militantes pseudojuristas, ainda, apresentam artigos de lei para fundamentar sua campanha. Bem, essa parte é delicada, pois faz sugir a seguinte dúvida: "se há um artigo de lei dizendo que o voto nulo pode anular uma eleição, como é que você está dizendo que é lenda?"


Bem, é simples: o artigo usado como embasamento para afirmativa não tem qualquer relação com o caso. Há uma interpretação totalmente equivocada do artigo, tentando induzir o leitor a entender que seu argumento está correto.


O artigo em questão é o 224 da Lei n.° 4737/1965 (Código Eleitoral). Vamos ao seu texto:


art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.


"Mas então, ali fala 'se a nulidade atingir mais de metade dos votos...julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição' como que não é verdade?" 


Ora, um princípio elementar de direito diz respeito às regras de interpretração das leis, e diz o seguinte: "nunca interprete um artigo isoladamente".


E esse é o caso típico para se aplicar essa regra. O art. 224 está no Capítulo VI do Código Eleitoral, intitulado "Das Nulidades da Votação". o artigo 220 desse Capítulo, arrola todas as causas de anulação da votação. Muita atenção nessa parte, eu disse, anulação da votação e não do voto.


O rol do art. 220 é taxativo:




Art. 220. É nula a votação:
        I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;
        II - quando efetuada em folhas de votação falsas;
        III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas;
        IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.
        V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.

Como se observa as nulidades elencadas no art. 220, dizem respeito ao procedimento a ser adotado para validade das eleições. Se a votação for realizada em local não determinado pela Justiça Eleitoral para tanto (ou seja, não é uma zona eleitoral ou local de votação oficial), ou feita em folha de votação falsa (ou, atualmente, em urna eletrônica que não as oferecidas pela Justiça Eleitoral), ou realizada em dia diverso do estabelecido para as eleições, ou se a votação for encerrada antes das 17h, ou se for violado o sigilo da votação ou se as eleições forem realizadas em local pertencente a particulares ou partidos (as eleições tem que ser feitas em prédios públicos ou sob uso do poder público).

Mais adiante, os arts. 221 e 222 do Código Eleitoral, apresentam novo rol, agora, de anulabilidades:

 Art. 221. É anulável a votação:
I - quando houver extravio de documento reputado essencial; (Inciso II renumerado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
II - quando fôr negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto interposto, por escrito, no momento: (Inciso III renumerado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
III - quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º. (Inciso IV renumerado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido;
b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145;
c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.
        Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.


 Ou seja, há anulabilidade da votação, se documentos oficiais forem extraviados, se o presidente da mesa - desconfiando que a pessoa ali presente não é a indicada no título de eleitor - não fizer nada para impedir que o eleitor vote, se eleitor impedido de votar vier a votar ou se alguém votar com identidade falsa ou de outro eleitor. Qualquer tipo de fraude, falsidade ou coação, por uso de influência ou poderio econômico, também pode anular a votação.

Qualquer dessas nulidades e anulabilidades deve ser apontada no ato, salvo se verificadas as fraudes posteriormente (art. 223 do Código Eleitoral).

E, diante disso, aí vem o art. 224. Olha só, agora, como o artigo faz todo o sentido:

art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

Veja por você mesmo que o texto é claro e a interpretação só pode ser no sentido de que, se forem observadas fraudes no processo eleitoral ou procedimentos fora dos determinados pela Justiça Eleitoral, havendo, portanto, nulidade na votação, e estas nulidades tiverem afetado mais de 50% dos votos do país, significa que a votação não reflete a vontade real do povo, de sorte que a eleição não pode ser considerada válida. Por isso, é que se anulam inclusive os votos verdadeiros e designa-se nova data para as eleições.

Note-se que, em momento algum faz-se qualquer referência ao voto nulo. E o motivo é simples. O voto nulo reflete a vontade do eleitor de não escolher qualquer dos candidados disponíveis no pleito, então, seu voto é legítimo. O voto fraudulento, por óbvio, é apontado para algum candidado real, pois se pretende eleger alguém de forma irregular, por isso as eleições tem que ser anuladas.

Agora, se esses votos fraudulentos não alcançarem mais de 50% dos votos totais, simplesmente anulam-se estes e computam-se apenas os reais.

Certo. Entendido que a história da anulação das eleições pela maioria das urnas em votos nulos, é apenas mais uma lenda jurídica, importante esclarecer o que acontece com os votos nulos.

Assim como os votos em branco, os votos nulos não são considerados válidos, portanto, sequer entram na contagem dos votos para os candidatos. Conforme apontado nos artigos 106, 107, 109, I, 199, § 5°, I e 207, I, do Código Eleitoral, apenas os votos válidos são levados em consideração na apuração do resultado das eleições, sendo excluídos os brancos e nulos.

Se em uma eleição presidencial, por exemplo, houvesse apenas 2 candidatos e, na apuração, fosse verificado que houve apenas 2 votos válidos para o candidato A (só o dele e o da esposa) e 1 voto válido para o candidato B (só do próprio candidato), mesmo que todos os demais fossem nulos ou brancos, isto é, o  país inteiro fosse contra a eleição de qualquer dos dois, ainda assim a eleição seria válida e o candidato A seria eleito.

Então, me perdoem os céticos, voto nulo e voto em branco é voto jogado fora, pois não tem força alguma no resultado das eleições. É mera manifestação anônima de falta de vontade de participar do processo eleitoral.


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