18.12.09

Pensão alimentícia: 33,33% dos rendimentos do pai

Um sem número de vezes, fui agraciado com a pérola da indignação de clientes, no sentido de que: “o juiz está maluco, como pode ele dar 20% de alimentos, sendo que a lei diz que é 33,33%?”. E, pior, ao tentar explicar, tive de ouvir que “uma prima da comadre da vizinha do Paulinho, que faz Direito, disse que o Código de Alimentos fala que o pai tem que pagar 33,33% de seu salário”.


Antes de mais nada, vamos deixar duas coisas bem claras: i) não existe código de alimentos (existem regramentos sobre alimentos no Código Civil – Lei n.° 10.406/2002, e na famigerada Lei de Alimentos – Lei n.° 5478/1968); e ii) a prima da comadre da vizinha do Paulinho (que eu sei lá quem é), com todo o respeito, está longe de ser considerada pessoa de “notório saber jurídico”.

A lenda dos 33% dos rendimentos para fixação dos alimentos é antiga e nos remete ao final da década de 1960 (segundo relatos extraoficiais sobre o tema – não localizei a jurisprudência correspondente, mas aceito contribuições), quando um juiz, muito bem intencionado, fez o seguinte raciocínio: i) 33,33% da renda do pai se destinam à manutenção do próprio emprego; ii) outros 33,33% da renda do pai são destinados à manutenção do próprio pai e sua esposa, incluindo-se tudo, desde alimentação, moradia e vestuário até lazer e diversão; assim, iii) os 33,33% restantes, são destinados à criação dos filhos, incluindo-se alimentos, roupas, estudos e lazer, razão pela qual esse deve ser o percentual dos alimentos.

A ideia foi bem recepcionada pela comunidade jurídica e se tornou pedido padrão dos advogados e decisão recorrente dos juízos pátrios. O detalhe é que, embora seja lindo o raciocínio, não ostentava amparo legal há 50 anos e também não o ostenta atualmente.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 400, estabelecia que:

Art. 400 - Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

O Código Civil de 2002, por seu turno, repetiu o dispositivo supra, no parágrafo 1° do art. 1694, senão vejamos:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

Analisando os dispositivos acima, percebe-se de forma cristalina que a lei não estipula valor fixo ou percentual dos rendimentos do alimentante. Estabelece, em verdade, parâmetros para a fixação dos alimentos, qual seja, o binômio “necessidade do alimentando” / “possibilidade do alimentante”. Vale dizer, cumpre ao juiz pesar com quanto o pai (ou mãe, ou avós etc.) pode contribuir e de quanto o filho precisa, para fixar um percentual proporcional e equilibrado.

O percentual a ser estabelecido pelo juiz da causa poderá ser igual, inferior ou superior a 33,33% dos rendimentos do alimentante, uma vez que o poder aquisitivo do alimentante, bem como a extensão das necessidades do filho (ou filhos) é muito variável de um caso para outro. Outro complicador: não existe uma tabela que o juiz possa seguir para fixar os alimentos. Assim, é preciso análise pormenorizada e individual do mencionado binômio, caso a caso.

Por exemplo: se o pai aufere renda mensal de R$ 10.000,00 e o juízo verifica que o filho, de 7 anos, precisa de R$ 1.600,00 para sobreviver (alimentar-se, vestir-se, estudar em escola particular, fazer inglês, natação e judô, ir ao shopping, passear no parque e ir ao cinema com a mãe), não há razão para fixar a pensão no importe de R$ 3.333,33, equivalente a 33,33% dos rendimentos do pai, pois embora este tenha condições de contribuir com tal cifra, esta excede, em muito, as necessidades do infante, que correspondem a 16% dos rendimentos paternos.

É óbvio que a maioria dos pedidos de pensão alimentícia que tramitam perante o judiciário pátrio não atingem tão altas cifras, na medida em que as necessidades não são tão elastecidas, tampouco os rendimentos do pai permitiriam suportar tais despesas. Nesses casos, de qualquer forma, cumpre ao juiz ponderar se as atividades elencadas pelo peticionante de alimentos realmente são imprescindíveis e se os valores pleiteados não vão levar o pai à ruína.

Sobre o tema, para melhor exemplificar, eis a posição jurisprudencial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS - PEDIDO DE REDUÇÃO - DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A IMPOSSIBILIDADE DO AGRAVANTE EM ADIMPLIR COM O QUANTUM ESTIPULADO - LIMINAR DEFERIDA PARCIALMENTE PARA ADEQUAR O VALOR DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA - POSSIBILIDADE - LIMINAR CONFIRMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA ESSE FIM. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 521.568-7, da 1ª Vara de Família de Londrina, em que é agravante D. A. R. A. e A. A. R. A. (representado pela mãe M. C. C. R.) e agravados F. A. A.. Trata-se de Agravo de Instrumento contra decisão de fls.13, dos autos nº 2.150/2007, de Ação de Oferecimento de Alimentos, ajuizada contra D. A. R. A. e A. A. R. A., em face do ora agravante, que arbitrou em R$ 400,00 os alimentos provisórios a serem pagos em favor destes. V O T O O Agravo de Instrumento nº 440.866-8, dos autos de Pedido de Alimentos já analisou essa questão: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 440.866-8 - DA 1ª VARA DE FAMÍLIA E ANEXOS DA COMARCA DE LONDRINA. AGRAVANTE: F. A. A.. AGRAVADOS: D. A. R. A. E A. A. R. A. (REPRESENTADOS PELA MÃE M. C. C. R.). RELATOR: JUIZ LUIZ ANTONIO BARRY. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS - PEDIDO DE REDUÇÃO - DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A IMPOSSIBILIDADE DO AGRAVANTE EM ADIMPLIR COM O QUANTUM ESTIPULADO - LIMINAR DEFERIDA PARCIALMENTE PARA ADEQUAR O VALOR DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA - POSSIBILIDADE - LIMINAR CONFIRMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA ESSE FIM. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 440.866-8, da 1ª Vara de Família de Londrina, em que é agravante F. A. A. e agravados D. A. R. A. e A. A. R. A. (representado pela mãe M. C. C. R.). Trata-se de Agravo de Instrumento contra decisão de fls.115, dos autos nº 2073/2007, de Ação de Alimentos, ajuizada por D. A. R. A. e A. A. R. A., em face do ora agravante, que arbitrou em R$ 4.000,00 os alimentos provisórios a serem pagos em favor destes. Relata o agravante, em suma, que quando da separação do casal, ficou a guarda dos três filhos com ele, sendo que a partir de 2006 os dois filhos menores, que contam hoje com 16 e 17 anos, passaram a residir com a mãe. Acrescenta que, a fim de regularizar os alimentos a serem pagos aos filhos, ajuizou Ação específica em 03/08/07, na qual, no entanto, ainda não houve arbitramento de alimentos, sendo que os agravados, a par disso, fizeram o mesmo, ajuizando outra ação no dia 14/08/07, na qual alteram absurdamente a verdade dos fatos, resultando no arbitramento de alimentos provisórios no valor de R$ 4.000,00. Sustenta que atua como representante comercial autônomo, e sua renda média líquida mensal é de R$ 3.000,00, sendo que está custeando a faculdade do filho L., no valor de R$ 673,00 mensais. Aduz, ainda, com relação à aquisição do apartamento, alegada pelos agravantes, que cancelou o contrato com a construtora em março de 2007, por não mais suportar o pagamento das parcelas, sendo que reside em um apartamento modesto, com móveis simples; com relação às obras de arte, que são simples gravuras/réplicas; com relação ao veículo, que é um C., de fabricação nacional, ano 2003, financiado; com relação às viagens, que sua atual namorada é sócia proprietária de uma agência de viagens, o que lhe proporciona viajar a baixos custos e acumular milhas para continuar viajando Pugna, destarte, pela concessão e efeito suspensivo ao recurso, com seu provimento ao final, para que o valor dos alimentos provisórios seja reduzido para 30% de seus rendimentos líquidos, ou seja, em R$ 900,00. O recurso foi recebido e processado com a concessão parcial do efeito ativo, diminuindo os alimentos provisórios anteriormente fixados para a quantia de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) mensais (fls. 182/184 - TJ). Pelos agravados não foram apresentadas contra-razões (certidão fls. 191 - TJ). A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, com a redução dos alimentos ao patamar de R$ 1.550,00 mensais, corrigidos anualmente (fls. 196/200 - TJ). O Juiz a quo comunicou o cumprimento do art. 526 do Código de Processo Civil, bem como que manteve a decisão agravada (fls.208 - TJ). V O T O Busca o agravante, a reforma do despacho que fixou os alimentos em favor de seus filhos, ora agravados, no montante de R$4.000,00 (quatro mil reais), ao argumento de que tal valor se encontra exacerbado, sendo superior a média de seus ganhos; que já arca com a mensalidade do filho L., que mora consigo, no valor de R$ 673,00; que o valor deve ser reduzido para o percentual de 30% de seus rendimentos líquidos, a ser dividido entre os três filhos. Preliminarmente, deve ser esclarecido que em relação ao filho L., este já coabita com o ora agravante e também não faz parte da lide, razão pela qual o pensionamento deve se restringir as necessidades dos integrantes da lide principal e ora agravados, D. E A. e as possibilidades de seu genitor, ora agravante. Até porque, não existe determinação legal de que a prestação alimentar deva ser necessariamente de 30% sobre o valor dos rendimentos, mas sim existe a observância de cada caso específico, do modus vivendi de cada família, seus ganhos, gastos, necessidades, bem como a prudência do magistrado ao fixar o valor que entender como compatível com as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentado. O MM. Juiz a quo deferiu a tutela com base na documentação acostada aos autos naquele momento, com a informação de que o agravante possuía um alto padrão de vida. Diante dos novos documentos trazidos com a interposição do presente Agravo, constatou-se que a capacidade contributiva do agravante era menor do que a sugerida na inicial dos Alimentos, razão pela qual fora concedido o efeito ativo ao recurso, reduzindo o valor dos alimentos provisórios para R$1.800,00 (um mil e oitocentos reais) mensais. Este valor se mostrou mais coerente com a real situação financeira do agravante. Dispõe o artigo 1694, do Novo Código Civil que "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação". Sabe-se, no entanto que, para efeito de fixação da pensão alimentícia, o Juiz deve observar o parâmetro previsto no § 1º desse mesmo artigo, com relação às necessidades do reclamante e aos recursos da pessoa obrigada. E em relação a isso, os agravados, muito embora tenham requerido alimentos no montante de R$ 2.475,00 para cada um, totalizando um valor de R$ 4.950,00, não demonstraram em momento algum, a necessidade do valor pretendido. Não existe nenhuma descrição dos valores que seriam despendidos com colégio, moradia, vestuário, etc..., que pudessem vir a justificar o valor que buscam receber a titulo de alimentos. Não se podendo deixar de anotar ainda, que o dever de sustento dos filhos é de ambos os pais. Não há nos autos elementos que possam conduzir a outro entendimento. Do contrário, estar-se-ia acarretando um desequilíbrio no binômio necessidade/possibilidade. Ocupando-se do assunto, Yussef Cahali na obra Dos Alimentos, 4ª Edição, p. 868/869, em nota de rodapé, esclarece que: "os alimentos provisórios como são arbitrados, sem que a decisão envolva uma cognição completa, pois são baseados em pedido feito de forma unilateral pela parte interessada, podem, a qualquer tempo, ser revistos, suspensos ou extintos, desde que para os autos venham outros elementos de convencimento (09.10.1997, RJTJRS 185/259). No mesmo sentido, 10ª CC, TJRJ. AC 1.710, 15.10.1997, DJRJ I 02.04.1998, p. 177). Também sobre assunto, eis precedente desta Colenda Câmara, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 412.899-6, em que foi Relatora a Dra. Themis de Almeida Furquim Cortes: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS- FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISIONAIS - REDUÇÃO DOS ALIMENTOS FIXADOS LIMINARMENTE - COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Assim é, que diante dos elementos que deste autos constam e neste momento processual, onde a instrução ainda é precária, a decisão que concedeu a diminuição do valor fixado a título de alimentos, se mostra acertada. O valor arbitrado de R$ 1.800,00 se mostra mais compatível com as possibilidades do agravante e as necessidades presumíveis dos filhos ante a idade que se encontram. De qualquer modo, trata-se de decisão provisória, que à vista de outros elementos probatórios que certamente as partes carrearão aos autos, poderá sofrer ainda alteração, onde o Juiz munido de maiores provas poderá rever ou manter o quantum fixado, observando sempre o binômio necessidade/possibilidade. Dessa forma, conheço parcialmente do recurso, para fixar os alimentos provisórios em R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) mensais, corrigidos anualmente pelo INPC, confirmando assim a liminar anteriormente concedida. Em face do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, nos termos do presente voto. Participaram do julgamento os excelentíssimos Desembargadores Mário Rau e Eraclés Messias. LUIZ ANTONIO BARRY Juiz Relator Convocado Nessas condições, com fulcro no art. 557, § 1.º-A, do CPC, dá-se provimento ao recurso, reformando-se a decisão recorrida, para conceder os alimentos no valor de R$ 18.00,00, conforme já decidido no Agravo de Instrumento nº 440.866-8. I. Curitiba, 27 de agosto de 2008. LUIZ ANTONIO BARRY Juiz Relator

Enfim, o que é importante esclarecer é que a “regra dos 33,33%” é apenas mais um mito do mundo jurídico, baseado em construção jurisprudencial que, de tanto ser utilizada, passou a ser entendida pela população como lei.

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